A batalha de doentes psiquiátricos contra o INSS

Publicado em: 19/07/2016

Tudo à minha volta me causa medo, pânico. Não consigo me relacionar com as pessoas, e sair de casa é sempre um desafio. Pessoas ao redor me causam fobia, o que me deixa completamente descontrolada. O relato é da ex­contadora Adriana Márcia Batista, de 45 anos, diagnosticada com bipolaridade, síndrome do pânico, depressão e sintomas obsessivos compulsivos, em 1998. As doenças a impedem de trabalhar, como atestam psiquiatras.

No entanto, a segurada INSS, após ficar afastada entre 2010 e 2015, perdeu o auxílio­doença em sua última perícia. Agora, sem condições de retornar ao trabalho, devido ao agravamento dos transtornos, ela luta na Justiça para ter de volta o benefício.

E Adriana não está sozinha.

Segundo especialistas, milhares de trabalhadores com transtornos psiquiátricos enfrentam a mesma dificuldade. O motivo, dizem os psiquiatras, é o despreparo dos médicos peritos do INSS em atestar a capacidade laborativa desses pacientes.

Segundo dados obtidos pelo EXTRA, entre 2013 e 2015, 318.044 benefícios por incapacidade, entre auxílios­doença e aposentadorias por invalidez, foram concedidos em todo o país a segurados com doenças psiquiátricas. No entanto, afirmam os especialistas, o número seria maior, caso os problemas não fossem estigmatizados pela Previdência Social no momento de analisar uma concessão.

– A maior queixa é em relação ao tratamento dado pelos peritos. Na minha visão, existe despreparo desses médicos no que se refere à capacidade de atestar ou não a capacidade para o trabalho – avaliou o psiquiatra Alberto Carvalho, coordenador da Comissão de Ética da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Depressão é líder entre as concessões

Entre os benefícios concedidos pelo INSS nos últimos dois anos, 80.425 foram liberados a segurados com depressão. Somente no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, mais de dez milhões de pessoas sofrem com o problema. Apesar de não escolher sexo nem faixa etária, a incidência maior da doença se dá entre os 20 e os 40 anos, justamente no auge da vida profissional.

Para o psiquiatra Alberto Carvalho, é necessário que o INSS repense a perícia para o paciente com algum tipo de transtorno mental.
– Sabemos que é impossível uma perícia especial para este tipo de paciente, mas seria interessante que um perito psiquiatra pudesse atender esse trabalhador, para evitar erros de avaliação, que se multiplicam pelo país – disse.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão ocupa o segundo lugar dentre as doenças que mais causam incapacidade no trabalho, e a projeção é que, até 2020, esteja no topo da lista.

Em linha com essa afirmação, uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revela que 48,8% dos trabalhadores que se afastam por mais de 15 dias do trabalho sofrem com algum transtorno mental, sendo a depressão o principal deles.

Peritos são capacitados, afirma ANMP

No meio do fogo cruzado entre os trabalhadores que precisam do benefício e o INSS que pretende diminuir a quantidade de aposentadorias e auxílios liberados, os médicos tentam explicar ao trabalhador a real função da perícia da Previdência Social. De acordo com o diretor sindical da Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP), Luiz Carlos Argolo, o trabalho do profissional é exclusivamente de atestar a incapacidade ou não para o trabalho, o que se estende aos doentes psiquiátricos:

– Nós fazemos o reconhecimento do direito do segurado para fins de concessão de benefícios como o auxílio­doença e a aposentadoria por invalidez. Assim, não fazemos uma análise assistencial ou médica.

Não entramos no detalhe da doença. Ultrapassamos esse limite para saber se a doença afeta a vida funcional. E é exatamente assim com o doente psiquiátrico. Não é preciso uma perícia diferenciada para eles. Somos preparados para constatar se qualquer trabalhador está apto ou não para o trabalho.

Fonte: Jornal Extra (17/07/2016)










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