O INSS NÃO TEM CONDIÇÕES DE ABSORVER O BOLSA FAMÍLIA
Publicado em: 10/07/2016
Um retrocesso. É o que consideram profissionais da área de serviço social a junção do Ministérios de Assistência Social ao de Desenvolvimento Agrário. A medida, tomada pelo governo interino de Michel Temer, levanta questionamentos e traz receio de que políticas públicas conquistadas ao longo de anos sejam desmontadas.
Um dos pontos que mais preocupam trata-se do Programa Bolsa Família, cujo pagamento deve passar a ser efetuado pelas agências do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Com uma estrutura limitada, inclusive para as funções que lhe cabem, o INSS tende a ficar ainda mais sufocado com uma demanda que cresce ano após ano, à medida que aumentam também a pobreza e a miséria no País.
Outro anúncio que põe em alerta técnicos da assistência social é a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, o que tende a puxar para baixo o valor pago pelo programa. Na capital, 31 mil pessoas recebem o benefício.
Em Maceió, o assunto mobiliza profissionais da área, em discussões encaminhadas nas esferas política e administrativa, numa tentativa de reverter o que pode se tonar um caos social. A secretária municipal de Assistência Social, Celiany Rocha, conversou com a Gazeta e tece uma série de considerações sobre o que está por vir diante das mudanças.
Gazeta. Recentemente a senhora viajou para participar de um encontro sobre o Sistema Único de Assistência Social (Suas). O que foi discutido nesse encontro?
Celiany Rocha. Nós fomos para o Encontro dos Gestores de Assistência Social de todo o País, que acontece uma vez por ano. Os gestores se reúnem para discutir como está a assistência social no Brasil. O encontro aconteceu em Brasília, no final de maio. Foi exatamente no momento em que estava havendo a mudança no ministério, em que o Ministério do Desenvolvimento Social passou a ser Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário.
O que essa mudança significa?
Quem trabalha com a política de assistência social não concorda com a junção dos ministérios, porque a gente entende que são políticas diversas, que não deveriam ser misturadas e que o Suas foi preterido. A gente equipara o Suas ao SUS [Sistema Único de Saúde], por que a Saúde tem um ministério exclusivo e o Suas não? O que diferencia essa situação? Como o atual ministro é da bancada agrária, pensou-se que ele não poderia ter referências com relação ao Suas. Nada que ninguém possa aprender, mas num primeiro momento causou esse impacto.
Para vocês, então, houve retrocesso ao unificar-se os ministérios?
Primeiro ele perde a sua exclusividade. O Suas conquistou, um ministério exclusivo para tratar do desenvolvimento social e agora ele está junto com a questão agrária, então há, sim, retrocesso, porque você estava num patamar, e os técnicos de serviço social entendem que houve um retrocesso, primeiro pelo patamar e segundo pelas ideias que estão sendo postas.
São essas as questões que teriam mais impacto, de imediato?
O grande impacto imediato seria com o atendimento pelo INSS das questões vinculadas ao Programa Bolsa Família ou ao Cadastro Único.
O que muda?
A ideia é que esse atendimento não fosse mais feito pelas secretarias de Assistência Social, e sim pelas agências do INSS. Aqui em Alagoas, nós temos 136 Cras [ Centro de Referência da Assistência Social]. Em Maceió são três agências do INSS e temos 15 Cras, mais um ônibus para fazer o serviço itinerante, mais duas unidades descentralizadas. Então, são 18 pontos de atendimento, quando ficariam com apenas três.
Ou seja, esse atendimento passa a ser apenas nas agências do INSS?
É essa proposta que vem sendo discutida em Brasília.
Centralizaria, não é isso, secretária?
Sim. A gente visualiza uma incapacidade de atendimento. Temos agendamento para o Benefício de Prestação Continuada, o BPC, que é feito pela Assistência, em conjunto com o INSS, de três a quatro meses para frente. O BPC é destinado aos idosos e pessoas com deficiência.
Já tem agendamento para três a quatro meses? Então, havendo
a mudança a tendência é que piore?
Pois é. A gente acha que o INSS não vai ter essa capacidade de atendimento às necessidades dos nossos serviços, porque não é somente o atendimento frio. Passa por um atendimento psicossocial, com assistente social, inclusive para a fiscalização de quem está recebendo determinados tipos de programas e benefícios.
São especificidades do programa que deixarão de acontecer.
Sim. Por ser impossível. Se hoje eu tenho 15 Cras, mais duas unidades descentralizadas, quero ampliar ainda mais o número de descentralização para esse serviço, estou falando de um único serviço, fora todos os outros que a assistência social tem, e vou para três agências do INSS? Fora a demanda que já tem. Os Cras são unidades que tratam especificamente essa questão do Bolsa Família, programas sociais. E o acompanhamento dessas famílias, porque hoje a gente tem que trabalhar uma contracultura, um diferencial como cidadão, para trazê-lo para perto da política pública. Quando eu tenho um atendimento do Bolsa Família, ele vai lá tirar uma dúvida sobre isso, é uma hora que a equipe capta aquele cidadão para averiguar se há trabalho infantil na casa dele, se há queixa de desemprego, encaminhamento para o Sine, o mercado de trabalho, escola, verificação das condicionalidades, vacinação. Se eu tenho tudo isso num equipamento, o INSS não vai ter essa capilaridade, e onde é que essas pessoas vão ficar?
É o cidadão como um todo, do ponto de vista da assistência social?
Exatamente. Não é isoladamente. Não é somente o benefício pelo benefício. Eu tenho que
ter um atrativo para buscar aquela pessoa e inseri-la de volta ao seu projeto. Verificar como é que está aquela família como um todo.
É uma situação muito séria essa.
Sim. E aí, uma outra situação que também está sendo levantada pelo novo ministério é fazer com que o Benefício de Prestação Continuada não seja mais vinculado ao valor do salário mínimo. Hoje, quando o salário mínimo aumenta, esse benefício automaticamente se equipara ao salário mínimo. Hoje o salário mínimo é R$ 880, o BPC tem o mesmo valor. Desvinculando do salário mínimo, provavelmente as pessoas que recebem o BPC vão ter o seu valor daqui a pouco bem inferior. O salário tende a aumentar e, aí, para criar um outro mecanismo de atualização monetária do BPC, com certeza isso vai ser demorado e as pessoas serão penalizadas. Aqui em Maceió nós temos cerca de 31 mil pessoas que recebem o BPC. Dessas, 8 mil são idosos. O restante são pessoas com deficiência. A gente sabe que tanto para o idoso quanto para a pessoa com deficiência já é pouco o salário mínimo, sendo essa a única renda que possuem. Imagine se isso diminuir ainda mais. A proposta do ministério era desvincular ao salário mínimo. Isso a assistência social considera um retrocesso.
Fonte: Gazeta Web (04/07/2016)
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